Empoderamento político e representatividade no que tange à política institucional, a participação feminina continua bastante restrita. Mesmo com o enrijecimento da fiscalização por parte do TSE, ainda é comum a apresentação de candidaturas “laranja” de mulheres. Como resultado, ainda que possível observar um aumento no número de candidaturas de mulheres para o pleito de 2014 – 7.437 candidatas, contra 5.056 no pleito de 2010 –; a proporção de mulheres eleitas permaneceu abaixo dos 30% mínimo estipulado por legislação eleitoral. Na Câmara dos Deputados, apenas 51 dos 513 cargos em disputa foram ocupados por mulheres. No Senado, de um total de 81 eleitos/as, somente 13 eram mulheres. O número de mulheres parlamentares é ainda menor do que o alcançado pelas eleições de 2010. Nos Estados, as situações são próximas da encontrada no âmbito federal. Apenas uma (01) mulher foi eleita para os 27 governos estaduais e do Distrito Federal no pleito de 2014. O número de parlamentares mulheres eleitas para câmaras estaduais e distrital diminuiu 14,89% em relação à legislatura anterior, com 11,33% (120) das vagas, apenas, conquistadas por candidatas. Nas eleições municipais de 2016, apenas 13,51% dos cargos legislativos e 11.56% das prefeituras foram assumidas por mulheres. Das 638 prefeitas eleitas, 454 são brancas, 178 são pretas ou pardas e apenas 1 é indígena.
Institucionalidade, orçamento e políticas públicas A Plataforma de Pequim recomenda que o mecanismo institucional para o avanço das mulheres deve ser o organismo central de coordenação de políticas no seio dos governos e sua tarefa principal é dar apoio à incorporação de uma perspectiva da igualdade de gênero e empoderamento das mulheres a todas as áreas políticas, nos diversos níveis do governo. Os mecanismos devem ser localizados no mais alto escalão de governo e assumir a coordenação, o acompanhamento e a avaliação do progresso relativo ao avanço da mulher e incentivar e promover a participação do conjunto das instituições dos setores público, privado e voluntário de forma descentralizada e transversal. Além disso, devem dispor de recursos orçamentários e capacidade profissional suficientes. Para fundamentar e subsidiar o trabalho dos mecanismos institucionais de promoção de políticas para as mulheres, é necessário avançar na produção e análise de dados desagregados – especialmente daqueles oriundos de registros administrativos -, uma vez que parte significativa das estatísticas e pesquisas oficiais não contemplam ou não apresentam dados sobre raça/etnia interseccionados com recorte de gênero, e que o 18 país ainda não dispõe coleta informações oficiais sobre orientação sexual e identidade de gênero. Há, portanto, uma grande lacuna de informações que seriam decisivas para conhecer, monitorar e, consequentemente, enfrentar melhor as situações de vulnerabilidade e as desvantagens a que essas populações estão sujeitas.
Fonte: Direitos Humanos das Mulheres A Equipe das Nações Unidas no Brasil JULHO 2018A violência na atenção obstétrica – constituindo desrespeito, assédio moral e físico, abuso e negligência pelos profissionais de saúde, bem como outros profissionais como segurança e pessoal administrativo, além da utilização de procedimentos e intervenções clínicas que ora são desnecessárias segundo as evidências científicas atuais, é relatada por uma (01) em cada quatro (04) parturientes. Até março de 2018, 15.656 casos suspeitos de alterações no crescimento e desenvolvimento possivelmente relacionado à infecção pelo vírus Zika e outras etiologias infecciosas. Dentre os casos com investigação concluída, 7.003 (44,7%) foram descartados, 3.107 (19,8%) foram confirmados, 412 (2,6%) foram classificados como prováveis para relação com infecção congênita durante a gestação e 279 (1,8%) como inconclusivos.
Frente ao quadro, o Alto Comissário de Direitos Humanos da ONU para os Direitos Humanos, Zeid Ra'ad Al Hussein, recomendou que os países atingidos pela epidemia disponibilizem contraceptivos e reconheçam o direito das mulheres ao aborto, o que coloca as mulheres no centro da resposta à epidemia do Zika. A incidência dos casos de Zika concentra-se em zonas periféricas, onde o precário saneamento básico favorece a proliferação da epidemia. Nessas regiões, o descumprimento do direito a viver em comunidades saudáveis com serviços adequados e as lacunas de informação pública, de controle de vetores e de prevenção e tratamento apropriados justificam a alta concentração da epidemia. Levando em conta o padrão da desigualdade social brasileira fundamentado no racismo e no sexismo, a situação das mulheres negras frente ao Zika requer especial atenção.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que, a cada ano, um (01) milhão de abortos clandestinos sejam realizados no Brasil, resultando na morte de uma (01) mulher a cada dois (02) dias, com maior risco para mulheres negras. O SUS registra quase 200 mil internações anuais por complicações pós-aborto. Aos 40 anos, mais de um quinto das mulheres das áreas urbanas do Brasil já realizou ao menos um (01) aborto. Mesmo quando o procedimento constitui um direito legalmente previsto, as mulheres encontram barreiras à sua realização.
Atualmente, o país conta com 63 serviços para aborto legal, dos quais apenas 37 funcionam. Muitas vezes, os/as profissionais alegam objeção de consciência para não realizar o procedimento; tentam convencer as mulheres a seguir com a gestação; ou ainda, contrariando a legislação, exigem que vítimas de violência sexual apresentem boletim de ocorrência ou decisão judicial – quando bastaria uma declaração por escrito.
A negação ou a obstacularização injustificada do acesso ao aborto nas hipóteses em que ele é garantido legalmente, ou, ainda, do acesso a serviços de emergência em decorrência de abortos clandestinos pode equiparar-se à tortura ou à maus-tratos. O aborto inseguro é, globalmente, a terceira maior causa de morte materna.
O enfrentamento à violência contra as mulheres continua sendo um dos maiores desafios do Brasil para a promoção da igualdade de gênero. Pesquisas sobre percepção e experiência de violência apontam que 40% das mulheres brasileiras afirmam já ter sofrido violência por parte de um homem, e 29% relatam sofrer ou ter sofrido violência doméstica. Essas pesquisas têm constatado que apenas uma pequena parcela dessas mulheres (11% delas) procurou a delegacia após ter sofrido uma violência.
Em 2015, 4.621 mulheres foram assassinadas no Brasil, situando-se entre os países com as mais altas taxas no mundo, correspondente a 4,5 mortes para cada 100 mil mulheres. Entre 2005 e 2015 essa taxa aumentou 7,5%, mas estudos apontam que esse indicador tem diminuído nos últimos anos, apresentando uma queda de 5,3% no último ano da série (2015). Segundo pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas/IPEA, a Lei Maria da Penha contribuiu para conter o crescimento dos assassinatos de mulheres em ambiente doméstico em pelo menos 10%. O recorte por raça/cor revela realidades muito distintas para diferentes grupos de mulheres: enquanto a taxa de assassinatos de mulheres não negras caiu 7,4% entre 2005-2015, a mortalidade das mulheres negras aumentou 22%, apresentando uma taxa acima da média nacional (5,2 mortes para cada 100 mil mulheres negras). Isso significa que 65,3% das mulheres assassinadas no Brasil no último ano eram negras. O fenômeno do assassinato de mulheres indígenas permanece oculto no Brasil, apesar de sua gravidade. A violência sexual é também um problema de grande dimensão.
Em 2014 foram notificados pelo sistema de saúde 20.085 casos de estupro no país, enquanto os órgãos de segurança pública registraram 47.646 ocorrências de estupro. Os casos notificados pelo sistema de saúde revelam características particulares em relação ao gênero e a intersecção com idade e raça/cor: em 70% dos casos as vítimas eram menores de 18 anos, e em termos absolutos predominam as vítimas pretas e pardas (53,3%). Entretanto, se considerarmos a taxa de estupros por 100 mil mulheres por raça/cor, a população indígena apresenta a maior proporção, com 42,9 estupros por 100 mil mulheres indígenas. Do total de casos notificados, em 73% dos casos os autores de violência eram pessoas conhecidas e em 15,8% envolveram mais de um (01) agressor. É importante lembrar que estes registros administrativos (dados da saúde ou da polícia) representam apenas uma pequena parcela do preocupante cenário de violência sexual no Brasil.
A violência contra a população LGTBI é de difícil mensuração e pouco visibilizada, mas levantamento realizado por organizações da sociedade civil a partir de informações veiculadas em diferentes meio de comunicação apontam que o Brasil é um dos países com dados alarmantes de mortes violentas por homofobia, tendo registrado 445 mortes em 2017, sendo que 194 eram gays, 191 eram pessoas trans, 43 eram lésbicas e cinco eram bissexuais. Enquanto a expectativa de vida do/a brasileiro/a médio/a fica em torno de 75 anos (IBGE), a das mulheres trans brasileiras não passa dos 35 anos. Ainda no que concerne à violência transfóbica, vale ressaltar que foram registrados 802 assassinatos de pessoas trans no Brasil entre janeiro de 2008 e dezembro de 2016, constituindo-se no país que mais mata travestis, pessoas trans e transexuais no mundo.
O combate à violência contra as mulheres articula-se em uma complexa rede organizada em eixos (enfrentamento, prevenção, assistência e garantia de direitos) e conta com serviços de responsabilidade federal, estadual e municipal, de caráter especializado e não especializado no atendimento às mulheres, abrangendo órgãos do sistema de justiça e segurança pública, da assistência social e da rede pública de saúde. O Pacto Nacional pelo Enfrentamento da Violência Contra as Mulheres (em suas versões I e II) e o Programa “Mulher, Viver Sem Violência” são os principais programas governamentais para lidar com o problema.
A implementação integral da Lei Maria da Penha por meio de políticas públicas que garantam acesso das mulheres à segurança pública, justiça, saúde, assistência social é um compromisso que deve ser assumido por todos os entes federativos. A especialização requerida para o atendimento humanizado e que incorpore a perspectiva de gênero na atenção para as mulheres em situação de violência, deve também estar refletida na compreensão sobre as causas da violência como resultados da desigualdade das relações sociais com base no gênero. Nesse sentido, tanto a Lei Maria da Penha quanto a Lei do Feminicídio devem ser monitoradas em sua aplicação através de protocolos e documentos que normatizem o entendimento sobre a violência baseada no gênero e garanta maior celeridade aos procedimentos policiais e judiciais.
Igualmente importante é que sejam revistas as formas de encaminhamento das mulheres nas redes de serviços especializados. Ressaltando-se a relevância e importância de iniciativas e programas como a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, por meio do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres e o Programa “Mulher, Viver sem Violência”. Cabe também enfatizar que o movimento de conscientização social a respeito da violência doméstica e familiar contra as mulheres, promovido através das campanhas e eventos de formação e capacitação de profissionais, trouxe a oportunidade de conhecimento e visibilidade de outras formas de violência – moral, psicológica, sexual, institucional - e a especificidade com que se manifesta para determinados grupos de mulheres – negras, indígenas, com deficiências, por sua orientação sexual ou identidade de gênero. Novas políticas, abordagens institucionais e reflexões sobre novas formas de violência, como a violência contra as mulheres na política, também precisam ser construídas de forma a responder a essas violações de direitos.
O enfrentamento à violência contra as mulheres com base no gênero apenas será exitoso se considerar também medidas de prevenção e atuação direcionada aos autores dessas violências. Além das medidas tradicionais de responsabilização criminal, é preciso que as instituições do Estado desenvolvam e implementem políticas de prevenção direcionadas à transformação das relações de poder estabelecidas pelos papéis sociais de gênero como via de construção de sociedades igualitárias.
Para o sucesso da implementação da Agenda 2030 e dos ODS, tão importante quanto transversalizar a perspectiva de gênero e adotar medidas para o empoderamento das mulheres, é levar em consideração as discriminações cruzadas e uma perspectiva de interseccionalidade de gênero, raça e etnia. A Agenda 2030 estabelece como um de seus princípios-chave que ninguém deve ser deixado para trás, focando naquelas pessoas que estão mais atrás. As diversas formas de manifestação do racismo fazem com que a discriminação racial seja outro fator estruturante das desigualdades sociais no Brasil, fazendo com que mulheres negras, indígenas e de outros grupos étnico-raciais, ostentem os piores indicadores nas mais diversas áreas da vida econômica e social.
Assim sendo, o Sistema ONU no Brasil recomenda que:
haja um alinhamento entre a Agenda 2030 e os ODS com a Década Internacional de Afrodescendentes;
e as ações voltadas à promoção de atenção integral de saúde das mulheres, educação, empoderamento político e econômico e enfrentamento à violência contra as mulheres incluam estratégias de desconstrução do racismo para gerar impactos diferenciados para as mulheres em sua diversidade, especialmente negras e indígenas.
#mulheresporumfuturomelhor